CLÁUDIA SOUSA PEREIRA
CONGRESSOS,
POLÍTICOS E CHUVA
Escrevo
normalmente as minhas crónicas com alguma antecedência. Isso permite-me
sobretudo a assiduidade, mas também evito deixar-me apanhar mais facilmente
pela inevitável espuma dos dias, não deixando no entanto de estar atenta ao que
acontece na hora. Até já tinha uma crónica escrita para hoje vos ler, mas sendo
de assunto que não passará tão cedo da actualidade, guardei-a para outra semana
e resolvi reagir ao que me aconteceu neste último fim-de-semana.
Gosto de assistir a
congressos dos Partidos políticos, seja ao vivo, seja pela televisão ou pela
rádio. Sei que é um gosto estranho. Deverei fazer parte dos talvez 1% dos
eleitores, ou quem sabe menos, que têm esse mesmo gosto. O resto das pessoas
tem mais que fazer e com que se entreter, o que não critico. Provavelmente
falta-lhes tanto a paciência para as discursatas e os comentários de corredor
em directo para os microfones ávidos de notícias frescas num mundo velho como o
da Democracia, como a outros faltará a paciência para as novelas ou os jogos da
bola e respectivos comentadores.
E além da paciência,
talvez falte o hábito (ou já se tenham cansado dele) para tomar atenção às
palavras e ao que elas trazem consigo nos contextos – espaço e momento – em que
são proferidas. As palavras que poderão depois ser comparadas com as que
aconteceram noutros contextos, o que requer algum exercício quer de atenção,
quer de memória. E compará-las sobretudo com os actos, que em Política são as
opções que se tomam, e onde as descoincidências são, estou em crer, um enorme
factor de dissuasão para os que, interessando-se por Política e cumprindo o seu
direito e o seu dever de eleitores, se “marimbam” para as reuniões magnas das
associações que formam, enformam, amparam e seleccionam os que algum dia
governarão ou condicionarão os que governam.
Outro exercício
interessante, que é até nestes tempos facilitado pelos registos audiovisuais
que os meios de comunicação guardam e disponibilizam para quase todos os que
têm facilidade de acesso às tecnologias, é avaliar comportamentos típicos de
elementos dessas organizações nesses contextos diferentes. Dá trabalho, quando
não se têm de memória, o que acontece sobretudo quando se sentiu na pele o
efeito desses comportamentos, pois como sabemos todos, não há melhor memória do
que a das coisas que nos afectam os sentidos e os sentires.
Ora, no
fim-de-semana, voltei então a ter com que me entreter em frente à televisão,
para além da rádio e do computador a que me ligo quotidianamente. E muitas
vezes para ver, ouvir e ler com mais atenção, e não como som de fundo de outros
afazeres, o que naturalmente também acontece. Eis senão quando, começo a ouvir
o discurso de um político na oposição, de nível nacional e europeu, ex, actual
e futuro eleito de um Partido da extrema-direita à portuguesa, em que para além
da forma inflamada com que anunciava o seu futuro nada mais disse que,
espremido, não fossem chavões. Isto depois de ouvir (e confirmar, lendo o que
foi também escrito) um texto de um político na governação, de nível local, de
um Partido da extrema-esquerda, queixar-se de que a contestação e o seu
espírito, que durante 12 anos andou a ensinar (quase como escolaridade
obrigatória) aos cidadãos, são agora tristes e para esquecer. Tomei uma decisão
para o resto do meu serão: vou mas é ouvir a chuva cair e continuar a ler (acto
que requer também gosto e persistência) “A Estranha Ordem das Coisas” do
António Damásio. Sempre aprendo alguma coisa de útil e confirmo outras de que
já desconfiava.
Até para a semana.
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