EDUARDO LUCIANO
TRAGÉDIA NA TRAGÉDIA
É
difícil não dizer nada sobre o incêndio que assolou parte significativa do
distrito de Leiria sem usar os adjectivos que vimos escorrer pelos écrans de
televisão e pelos monitores dos computadores.
De repente todo o
país, em particular o país sentado, comoveu-se, indignou-se e tornou-se
especialista em combate a incêndios, ordenamento do território, plataformas de
comunicação, políticas florestais e, obviamente, em métodos avançados de fazer
justiça ou prevenir incêndios, misturando as duas artes quando se apela a que
sejam os reclusos ou os beneficiários do rendimento mínimo a limpar as matas.
No meio de tanto
especialista do “se fosse eu a mandar”, as vítimas mortais e as que
sobreviveram perdendo tudo, excepto a vida, funcionaram para estes “cientistas”
apenas como o deflagrador da genialidade que esconderam durante a sua vida.
Claro que devemos
procurar responsabilidades, obviamente que devemos ir ao passado para perceber
de quem foram as decisões políticas que permitiram o abandono das florestas, o
esvaziar de vida do interior, o centralismo exacerbado e a litoralização do
país.
Também me parece
óbvio que devamos procurar saber quem ao longo dos tempos fez propostas de
sentido contrário, quem alertou para as consequências de políticas que ignoram
a necessidade de coesão territorial.
Tudo isso é natural e
faz sentido. O que não faz sentido é que se utilizem as vítimas como legendas
de erros e opções políticas erradas. O que não faz sentido é que enquanto
alguns choram a perda da vida dos seus mais próximos, os abutres que se
alimentam da desgraça alheia se orgulhem de terem vendido mais jornais do que a
concorrência, na cobertura do drama.
Nas redes ditas
sociais, as caixas de comentários e as publicações reflectem as razões pelas
quais o telelixo tem o sucesso comercial que afirma ter. Existem para alimentar
a chusma de “indignados”, de gente que usa a palavra “vergonha” sem saber o que
significa, que acusa tudo e todos de tudo, que se afirmam como o único cidadão
honesto à face da terra, que têm resposta para tudo embora nunca tenham
respondido a nada.
Dizem-me que poderá
ser uma forma de sublimar a dor solidária que sentem e que isso os ajuda a
sentirem-se melhor perante as imagens de morte e destruição que as televisões
insistem em mostrar.
Talvez seja. Mas se for, então trata-se de um acto de
autocomiseração e terá muito pouco do altruísmo que pretendem demonstrar.
Curiosamente o
comportamento das vítimas que sobreviveram e que sofrem na pele com o fim de
vidas de familiares, vizinhos e amigos, pautou-se por uma quase serenidade nos
relatos que fui ouvindo.
Para estes vai a
minha solidariedade. São eles os que importam. Não os que a quilómetros de
distância usam as imagens que provocaram a sua dor, para se “indignarem” e com
isso poderem ficar cheios de razão por alguns dias.
Já agora, e de
passagem, deixem de atirar pedras a jornalistas que inventam quedas de avião,
que quase entrevistam cadáveres e que fazem intervenções que rivalizam com os
melhores relatadores de jogos de futebol. Sabem porque é que se comportam
assim? Porque vocês, os “puros”, estão nesse preciso momento a olhar para eles.
Até para a semana
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