segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

LUGAR À CULTURA

          Baseado em Textos do Dr. Alexandre Laboreiro.

                                             Cultura e Resistência
 «A nossa luta é baseada na nossa cultura, porque a cultura é fruto da história e ela é uma força.»
 Amilcar Cabral
(Engenheiro, político e intelectual Guineense)

Há alguns dias, a jornalista Bárbara Reis  -  em editorial de despedida do Cargo de Directora do “Público”  -  assinalaria a seguinte constatação: «Vencerá o jornalismo que for relevante, incómodo, ético e independente  -  já agora, o único pelo qual vale a pena perder o sono. Sobreviverá quem conseguir manter isso e ao mesmo tempo chegar aos leitores, conquistar assinantes e publicidade. Essa é a pergunta “um milhão de dólares”. Dizer que os jornais estão numa complexa encruzilhada é um cliché gasto, sobretudo desde que começaram a fechar jornais nos Estados Unidos e as previsões apontavam para mortes em cadeia. A cascata negra não se confirmou. Mas depois de os gurus terem dito tudo, e o seu contrário, sobre como vai ser “o futuro”, estamos na mesma quanto ao essencial: só os doidos têm certezas sobre como vamos estar daqui a dez anos.»
E, reconheçamos, continua a ser primordial o papel da Imprensa (a par da Rádio, da Televisão, do Disco, do Cinema) na afirmação da Democracia  -  enquanto fundamentais para fomentar a formação de uma nova  Cultura, e a de um Homem Novo. Por isso, deverá imprimir-se-lhes uma orientação educativa e libertá-los do seu caracter comercial, adoptando as medidas necessárias para que as organizações sociais possam dispor desses meios e eliminando a presença nefasta dos monopólios.
António Sérgio entendia e defendia que o princípio essencial da Democracia, é o respeito da dignidade da pessoa humana. Considerava ele que nunca devemos querer conduzir os homens sem que tais homens deêm por isso. Sérgio via nesta atitude o cúmulo do desprezo; seria tratá-los como inconscientes,  como “coisas” , e não como pessoas. Para ele, como democrata, é a de considerar os outros como “meios”, e não como “fins”. A Democracia  -  dizia ele  -  é o sistema em que se deseja para o cidadão, o máximo de consciência: «queremos que cada homem vá convencido e muito consciente, do caminho que segue; assim pensa, também, o verdadeiro cristão»  -  afirmava ele.
Assim, será legítimo aceitar que  -  na  construção da cidadania em cada Homem  -  será imprescindível o papel da Educação. Educar significa favorecer o crescimento da capacidade de racionalização, de espiritualização, de universalização, de superação de limites vários (que confinam o indivíduo numa pátria ou grupo, numa localidade ou época)  -  habilitando-nos portanto, a sermos educadores da sociedade: o fim da educaçãoé ela própria, e um dos seus objectos, por isso, o não deixar perder aos moços aquela plasticidade de inteligência, aquela vibratilidade espiritual que os capacita para desenvolver-se. Assim, diria ele, «procurai o educador no varão educável (no de espírito moço) e o homem bem educado no que tomou fome de educar-se (de manter-se jovem). Para Sérgio, a primeira condição de uma escola educativa, portanto, é ser um ambiente social: um ambiente social escolhido, simplificado, purificado, com a quase exclusiva preocupação de a si próprio se aperfeiçoar.
E, admitamos, a cultura social de Sérgio  -  fortemente inspirada no Cristianismo  -  lembra-nos um poema de Antero: «Irmãos! Irmãos! amemo-nos! é a hora!  //  É de noite que os tristes se procuram.  //  E paz e união entre si juram...  //  Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora! »
E, sem qualquer hesitação, é abissal o propósito humanista da ideologia sócio-política de Sérgio -  ao compararmos a doutrina sócio-política sergiana, com a doutrinação do Estado Novo. Adientemos um exemplo, com uma passagem de um dos discursos de Salazar  -  onde ele define a Democracia como “o erro do excesso de política”  -  pelo que o povo não estava preparado, nem destinado a ser o sujeito (mas, sim o objecto) da política que o escol salazarista definia  -  com o recurso à censura, à perseguição, à prisão, ao exílio (como sucederia ao próprio António Sérgio). Assim, como ressalta num curto texto (inserido in “A opinião pública actual”), «convém acrescentar: que a consequência mais grave do exercício da censura consiste na agudização da crise no transporte cultural de uma geração a outra, relativamente ao grau da sua intervenção na difusão das normas e valores. O exercício da censura deixa marcas, especialmente na identidade cultural, ao fazer diminuir  a capacidade de autodefesa social, na sua adaptação orgânica a novas medidas padronizadas do desenvolvimento, do qual dependem os factores de integração».
Assim, como era  -  para Sérgio  -  a Democracia? Diz-nos ele: «É, sob o ponto de vista político, o regime em que são fiscalizados os governos pelos representantes da opinião pública, e em que os representantes da opinião pública votam as bases da legislação (sob um conjunto de garantias rigorosamente determinadas) buscando, por aqueles meios, a progressiva igualização de todos os membros da sociedade (aproximação da sociedade sem classes).»
Porém, quem dá realidade à Democracia? Responde Sérgio: «O cidadão (de carácter) e de espírito crítico, que consegue dominar os seus próprios nervos e que sabe opor aos variados poderes (pelos seus juízos e opiniões) uma resistência pacífica obstinada, lúcida  -  a verdadeira reforma da sociedade não depende só de um remédio mecânico a ela aplicado de uma vez para sempre: tem de estribar-se simultaneamente numa acção moral de todos os dias. O socialismo eterno e mais profundo é o de carácter ético e idealista, como Antero de Quental no-lo prègou.»
Dir-nos-ia ainda Sérgio que «Sempre em busca de soluções mecânicas, muitos se resumem à ideia simplista de “extinguir o analfabetismo”, de ensinar a ler a todo o povo. Tarefa (essa) não só inútil, mas digamos até que contraproducente, quando considerada como a essencial. Ensine-se a ler, claríssimo está: mas (façamo-lo)... tão só como mero instrumento da verdadeira obra educativa, que é a realização da cultura crítica, da disciplina do homem pelo seu próprio intelecto, da concentração (do espírito) e da mesura ética, da lucidez (da objectividade), do movimento centrípeto  -  em suma, da “vontade geral”  -  no ânimo de cada um de nós»  -   palavras sublimes, as de Sérgio.
Vivemos, felizmente, em democracia (mais no campo legal, que casuístico): abrindo assim possibilidades a uma sucessiva abrangência. Seria, certamente, do mesmo  modo o optimismo de Antero de Quental, quando observou: «Se já alguma hora da história impôs aos que falam alto entre os povos obrigações de seriedade, de profunda abnegação, de sacrifício do “eu” às tristezas e misérias da humanidade, de trabalho e silencioso pensamento; se alguma hora lhes mandou serem graves, puros, crentes é certamente este dia de hoje.» Sem dúvida, que Antero nos leva a meditar e reflectir.

 José Alexandre Laboreiro 
In Montemorense – Novembro 2016
Transcrição autorizada pelo Autor
                        

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