Terça, 27 Setembro 201
Um assunto de comboios tem estado a
apoquentar os moradores junto à antiga linha ferroviária de Évora.
Um projeto estratégico
para o País que, aparentemente, teria de incluir esse atravessamento, num
processo por agora, também aparentemente, mais calmo, mas em que a
intransigência de uns parecia estar a levar à resistência exacerbada de outros
que, não sendo muitos, perceberam muito bem o perigo da situação. Já assumi a
minha posição publicamente e declarei o que tinha a declarar sobre o assunto em
concreto, mas não queria deixar de falar um pouco dessa expressão que, das duas
umas, ou reflecte uma atitude ou se reflecte numa agenda própria de alguns.
Falo da expressão “ficar a ver passar os comboios”.
Usada para significar que se perde uma
oportunidade, o seu porquê e de onde vem não consegui apurar. Seguramente que
em português a expressão não pode ter nascido antes da segunda metade do século
XIX ou, se nasceu, já poderia ter sido por indignação dos que queriam ver os
comboios a circular em Portugal mas não havia meio de isso acontecer. Parece
que as primeiras tentativas terão sido de 1840, a obra só arrancou em 1853 e o
primeiro troço, Lisboa-Carregado, terá ficado concluído em 1856, há 160 anos
portanto. Também poderá ser uma tradução das expressões em francês ou inglês,
que falam em “perder o barco”, e ser tão antiga como a época dos Descobrimentos
com uma actualização oitocentista. Curiosa é a expressão que funciona como
onomatopeia e, portanto, serve para imitar o ruído do comboio - «pouca terra,
pouca terra» - a que se junta a onomatopeia “u-uuu”.
Entre uma e outra expressão, não consigo
deixar de imaginar que se a primeira se aplica aos que ficam apeados e parados,
a outra parece entoada por quem lá vai dentro, a fazer quilómetros atrás de
quilómetros. Sem emitir juízos de valor, pergunto-me sempre quem será mais
feliz: se o que escolhe acomodar-se, se o que não sossega sem mudanças constantes.
É que os primeiros podem acomodar-se porque, de facto, conseguiram o ambiente
ideal para o fazer e essa comodidade é a oportunidade que agarram. E os outros
podem sempre, inconformados, desejar o melhor que não encontram por onde passam
e não ficam, não sem antes tentarem esse melhor para aquele lugar. Mais uma
vez, em meu entender, é o tempo, a consciência que dele temos, que nos faz
criar ou aproveitar oportunidades. Quando o fazemos só para nós e em prejuízo
dos outros até lhe chamamos oportunismo.
Em Évora, nos finais dos anos 90 -
início deste século, quando um pouco por todo o país se erguiam centros
culturais, deve-se ter achado que não eram precisos e nenhum se fez ou se
recuperou um salão que, tão central quanto em ruínas, ainda para ali está. Em
Évora, quando um pouco por todo o país, nasciam centros comerciais com cinemas,
por aqui chegava aquele que ficava ali ao canto e que, de tão esconso, não
atraía espectadores. Em Évora, quando em todo o país qualquer sede de concelho
já tinha um sistema de águas que evitava os longos verões sem pinga na
torneira, o sistema encontrado, para o assunto ser rapidamente resolvido, que
foi mas mais tarde, sai caro aos bolsos da autarquia num “casamento” com
parceiros que ainda anda a correr mal. E em Évora, para se ter uma pista de
atletismo foi preciso um projecto que começou com uns localmente, que continuou
com outros centralmente, e se concluiu de novo com os primeiros e os outros, e
a que se juntaram mais outros, localmente, para cortar a fita e assumir a gestão.
Um cenário político-partidário destes,
em que todos procuram ser os que fizeram isto ou aquilo, parece acompanhar com
«pouca terra, pouca terra» a atitude proactiva que afinal só pode beneficiar
Évora. Não se pode é promover durante anos essa atitude de ficar sossegadito a
ver passar os comboios, agitando bandeirinhas a exigir isto e aquilo, e depois
querer que quem se habituou ao “poucochito” que lhe deram mas a refilar muito
por mais e melhor, saiba fazer mais do que isso. Mas isto sou eu a pensar, que
nem todos os comboios se apanham só porque sim e, retomando a referência da
expressão nas outras línguas, há outra expressão que nos ensina o valor do
tempo e da oportunidade: «há mais marés que marinheiros».
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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