Terça, 21 Junho 2016
Esta crónica vai para
o ar a dois dias da consulta à Grã-Bretanha sobre a permanência na União
Europeia, e depois de 53 americanos e uma deputada inglesa terem sido
assassinados por quem se convencionou chamar “lobos solitários”.
Matar parece ser mais fácil do que morrer. Não é de agora, é de sempre. Só
parece mais fácil morrer se for para se matar, num ajuste de contas macabro. E
sob a égide de ideologias, logo praticado por quem pensa, ainda que mal, sobre
o que é o sentido da vida em sociedade. Nada, pois, mais impróprio do que
chamar lobo a gente como esta. Compreensível apenas na perpetuação do conto do
Capuchinho Vermelho, quer nas versões que acentuam a sua voracidade resultante
da fome, quer na branqueada e misógina versão que o faz ser quase-vítima da
sedução feminina, o que era bom que fosse assunto revisto para não permitir
certos disparates quando se ouve por aí sobre violência doméstica e crimes
sexuais. Confesso-vos que, depois de tantas leituras, já tenho para mim que
este conto serve apenas e só para ensinar às crianças a obediência perante quem
se encarrega da sua educação. Mas enfim, sendo a literatura e a ficção o lugar
próprio das muitas possibilidades de leitura, só há que discuti-las não as
fechando.
Os que chamaram lobos,
mas são só mesmo é assassinos, representam como nesses lugares de ficção o medo
que vence. Eles representam o poder descontrolado do indivíduo sobre o
colectivo. Eles representam a culpa que não se apura mas que se procura sempre
para explicar o que não se entende, seja uma diferente orientação sexual ou uma
militância política. Eles representam o pior da Humanidade, a sua parte doente
que tantas vezes se alastrou a colectivos em regimes totalitaristas. Eles são a
ameaça em estado puro porque se parecem e se misturam com os restantes mortais
e fazem-nos desconfiar uns dos outros. Eles representam a maçã podre de um lado
e rosadinha do outro, como a de outra história. Os lobos não se matam uns aos
outros, matam para comer. E se sim, simbolicamente, o lobo tem sentidos
antagónicos, porque representa o mal, a crueldade, a luxúria e a ambição, é no
que ele simboliza do bem, com a astúcia, a inteligência, a sociabilidade e a
compaixão que percebemos que lhe queira vestir a pele, para se disfarçar de
bicho, o homem que se transforma num assassino.
Destes crimes
recentes, que chocam tanto mais porque se deram em cenários que não são de
conflitos mas lugares onde qualquer um de nós poderia ser apanhado, podemos
dizer que são terrorismo. Os crimes terroristas misturam dois lugares-comuns
únicos à espécie humana de qualquer cultura ou latitude – o Amor e o Medo –
manipulados por quem queira espalhar ideologias de forma programática e
sistemática, sejam religiosas, políticas ou financeiras.
Voltando ao contexto político de hoje, tratando-se a União Europeia de uma
forma de organização que lida precisamente com as diferenças nestas áreas, e
com a decorrente dificuldade de as compatibilizar em nome de uma união, já só a
hipótese de pôr em causa, dividindo um dos seus membros interinamente, muito
diz da pouca saúde dessa relação. Como afirmava o Vergílio Ferreira sobre estas
dúvidas no indivíduo: «Perguntar se se é feliz é começar a ser infeliz, como
perguntar se Deus existe é começar a ser ateu.».
Ora, na organização
das sociedades, a democracia permite-nos discordar entre nós e resolver conflitos
e discordâncias, com instrumentos equivalentes e equidistantes, encontrando
soluções não bélicas. Estes actos criminosos em nome de causas sociais e
políticas são os eternos resquícios de uma Humanidade que prioriza a resolução
do conflito com a guerra armada e não segundo as leis do civismo. E isso já não
se usa, embora ainda os usem. E também o fazem porque não suportam perceber
que, depois de partirem, a vida continua. Como continuará a Europa, com ou sem
Grã-Bretanha, com ou sem União. Pode é ser pior, pois pode. O Tempo, e o que as
mulheres e os homens fizerem com ele, se encarregará de o demonstrar.
Até para a semana.
Cláudia Sousa Pereira
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