quarta-feira, 25 de maio de 2016

VASCULHAR O PASSADO - Por Augusto Mesquita

Uma vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e                                                         costumes de outros tempos

                                            Há 75 anos, na Sociedade Pedrista
                          foi representada a Revista Local “O Cascabulho”

             A tradição do teatro de revista em Portugal vem de meados do século XIX, pois
o primeiro espectáculo do género sobe à cena no Teatro do Ginásio em 11 de Janeiro de 1851, sob o título programático de “Lisboa em 1850”.
            Com a inauguração do Parque Mayer em 15 de Junho de 1922 o teatro de revista muda-se para este espaço.
            Com uma história longa, o teatro de revista, desde o início, conquistou o estatuto do mais popular género de espectáculo de Portugal.
            Em Maio de 1941, já passaram 75 anos, o Teatro de Revista chegou à Vila Notável. A Direcção da Sociedade Pedrista composta por Júlio Armando Guerra Pereira (presidente), Joaquim de Abreu Bastos (secretário), Salvador dos Santos (tesoureiro), e pelos vogais Francisco Barros e João Luís Vidigal da Costa, aproveitou a presença em Montemor-o-Novo do funcionário público José Sacadura Bretes, que na Festa Comemorativa das Bodas de Ouro da Pedrista, surpreendera os espectadores com o seu enorme talento artístico, e convidou-o para organizar um espectáculo teatral. O convite foi aceite de bom grado, e José Bretes escreveu para esse fim, a opereta em 1 acto “A lenda do Castelo” e a revista local de flagrante actualidade, em 1 acto e 10 quadros, intitulada “O Cascabulho”, em homenagem a Montemor-o-Novo, conhecida por “Vila Cascabulheira”, pelo facto de existirem inúmeros pomares nas redondezas.
      “A lenda do Castelo” foi interpretada pelos seguintes amadores: D. Ivan Batista, D. Antónia Maia, D. Isabel Pinelas, D. Berta Bonito, D. Ilda Vieira, José Gastão Ferro, Albino Maia Sampaio, Salvador dos Santos e António dos Santos.
            Aldeãs e aldeões: D. Generosa Caldeira, D. Hermenegilda Caldeira, D. Ivone Caldeira, D. Zilda Batista, Jaime Nogueira, Joaquim Marques, António Nogueira e António Santos.
            A Revista “O Cascabulho” foi interpretada pelas seguintes actrizes: D. Antónia Maia, D. Isabel Pinelas, D. Ivan Batista, D. Zilda Batista, D. Ilda Vieira e D. Berta Bonito. José Sacadura Bretes, Feliciano Rabaça do Carmo, Albino Maia Sampaio,  José Gastão Ferro, Joaquim Abreu Bastos, António Joaquim Nogueira, Jaime Borges Nogueira, Flávio Santos, Salvador dos Santos, António dos Santos, Luís Tobias, Joaquim Marques e António Salvado Simões, foram os actores.
            José Sacadura Bretes foi o “compére” Zé Maria (o carácter unitário da revista é dado pelo compére, que assegurando a ligação entre vários quadros, integra personagens simbólicas, figuras públicas, atracções musicais, as quais permitem a exposição em palco).
Distribuição dos10 Quadros
           A revista iniciou-se com o prólogo intitulado “Saudação a Montemor”, a que se seguiram os dez quadros:  I – “Apanha da Azeitona”, “Pró-trabalho”, “Ao desafio”, “S. Leonardo” e “Hino a Montemor”. II – “Viva o progresso”, “As Fontainhas”, “O Poejo”, “O Gorgoleja”, “Aos jornais” e “A pesca”. III – “Foot-ball”. IV – “Grande sólido”. V – “Bons amigos”. VI – “Fogo – Homenagem aos Bombeiros”. VII – “A los toros”. VIII – “Pregões” – “A Pinhoada” e “Pregões de Lisboa”. IX – “A carta pró Manel”. X – “Arraial” – “Evocação dos arraiais da província”. (Neste quadro foi prestada homenagem aos nossos mortos da Guerra).
            Lindos cenários apropriados (o da foto confirma-o), e guarda-roupa dos ateliers Ferreira e Franco, Ldª.
            Excelente música dos maestros – Armando Fernandes e José Luciano Graça, e ainda, músicas populares adaptadas.
            Montagens eléctricas de Francisco Moreira da Silva. Ponto – Agostinho José Macau. Ensaiador – José Sacadura Bretes. Orquestra sob a proficiente regência do conceituado maestro José Luciano Graça, à qual prestam o seu apreciável concurso as Exmas. Senhoras D. Isabel Joaquina Nunes, D. Maria Olímpia Vieira e os Senhores António Salvador R. da Costa e Francisco Assis de Mira. Carpinteiros de cena -Augusto Malato e Simão Macedo. Contra-regra – José Manuel Carvalho Franco.
                                                            Apreciação ao espectáculo
   Um observador, que se escondeu através do anonimato, publicou nas páginas de “O Montemorense” o seu comentário:
            Cá estamos a dar as nossas impressões sobre a récita levada a efeito pelo Grupo Dramático do Círculo Montemorense, primeiro no elegante salão daquela prestigiada colectividade recreativa, e no Rádio Cine (por duas vezes).
            Os espectáculos resultaram num enorme sucesso.
            “A Lenda do Castelo” é uma opereta leve, muito fina, absolutamente própria para diversões desta natureza.
            Agradou-nos em absoluto José Gastão; nenhum artista faria melhor. Gostámos também muito de ver Antónia Maia Sampaio; já aqui o dissemos, e mais uma vez nos ficou a impressão de que é uma pena se esta rapariga não consegue a carreira do teatro, para a qual tem extraordinária vocação: possui vontade, gesticulação consciente e boa voz.
            Merece também referência o trabalho do seu irmão Albino, e igualmente nos impressionou bem a presença de Berta Bonito.
            Os restantes intérpretes, mais ou menos, todos se houveram de forma a merecer os aplausos que, no final, lhes foram tributados.
            O que, porém, conquistou absolutamente a assistência, em ambos os espectáculos, foi a revista “O Cascabulho”.
            Antes de mais nada, as nossas felicitações vão para o autor. José Bretes mostrou, sem dúvida nenhuma, as excepcionais faculdades para a arte de Talma: autor, principal interprete, ensaiador, encenador, ele foi de facto a alma da peça.
            Isto não quer dizer, evidentemente, que os demais amadores o não tenham acompanhado condignamente; pelo contrário, todos andaram muito bem.
            Antónia Maia voltou a evidenciar-se, principalmente pela vivacidade que pôs nas suas “cantigas ao desafio”; também gostámos de a ouvir em “S. Leonardo”, e fez com muita graça “O Montemorense”.
            Isabel Pinelas agradou-nos francamente mais aqui do que na opereta; muito bem conseguido, o seu pregão na “varina”.
            Ivan Batista, que também tem jeito, é pena que não se entusiasme um pouco mais; tem pouca vida, mas uma voz muito agradável; gostámos de a ouvir no “Poejo”.
            Ilda Vieira mostrou igualmente qualidades, mas pouco à vontade ao enfrentar o público. Em “Fontainhas”, que no primeiro dia saiu regularmente, foi no segundo dia menos feliz: Fez muito bem a “Folha do Sul”.
            Berta Bonito voltou a manifestar naturalidade e intuição; e Zilda Batista deu um bom “Rapaz das Pinhoadas”.
            Todas formaram interessante conjunto, a que ainda mais três simpáticas “camponesas” emprestaram apreciável concurso.
            Quanto ao elemento masculino, José Bretes foi um “compére” inexcedível, graça sem exageros, facilidades no improviso, dicção perfeitíssima, quere-nos parecer que os nossos mais consagrados artistas no género, alguma coisa teriam que aprender com ele. As homenagens aos bombeiros e aos amadores tauromáquicos de Montemor, foram ditas com perfeição insuperável.
            Feliciano Rabaça, Albino Sampaio, António Santos, António Joaquim Nogueira, Jaime Nogueira, Joaquim Marques e o pequeno António Salvado Simões, todos se portaram de forma a merecer elogios.
            José Gastão igualmente sobressai entre os rapazes; tem uma tirada logo no primeiro quadro, enaltecendo as belezas da nossa terra, muito bem dito, e o “Velho das Castanhas”, foi também feito com muita propriedade.
            Boa impressão nos deixou também Flávio dos Santos, no azougado “Joaquim”.
            Joaquim Bastos, muito bem no “Grogoleja”; bem observado e bem estudado, o tipo tão popular do “Radical”. Também gostámos do seu “Cauteleiro”.
            Luís Tobias pareceu-nos pouco à vontade no “Toureiro Espanhol”, mas disse bem a “Homenagem aos Mortos da Grande Guerra”.
            Propositadamente, guardámos para o fim das nossas referências, Salvador dos Santos; para ele foram também, as honras da noite. Fez só dois números, mas, que bem disse qualquer deles! O do “Foot-ball” sobressaiu talvez mais pelo entusiasmo com que o executou, mas o “Prólogo” foi igualmente muito bem recitado. Foi muito e justamente aplaudido.
            De resto, estes aplausos foram por igual para todo o grupo. O público mostrou, assim, saber compreender o esforço que representa a organização de um espectáculo desta natureza. É bom que estas iniciativas sejam acarinhadas devidamente, a fim de que se repitam com mais frequência.
            Encontra-se a revista dividida em dez quadros, todos mais ou menos interessantes. No entanto, os que mais nos agradaram foram os das músicas e dos bombeiros.
            Digamos também de elogiosa referência os cenários, a montagem, e os efeitos de luz, tudo revelando especial cuidado e muita habilidade.
            Agradou-nos sobremaneira a orquestra, que nunca tão bem nos tinha impressionado. Muito bonitas e bem executadas as peças de abertura dos actos, e, dum modo geral, toda a execução foi perfeitíssima. Vê-se que anda ali mão de mestre.
            Há setenta e cinco anos, quando os subsídios existiam apenas nos dicionários, montar este grandioso espectáculo não foi tarefa fácil. Prova disso, é o facto de, não obstante Montemor-o-Novo ser uma terra que ama e vive o teatro, de possuir filhos com enorme talento para a escrita cénica e também para a arte de representar, esta, foi a única revista levada à cena na Vila Notável, feita com a “prata da casa”.
            Para que a memória não se perca, felizmente, restam algumas fotos e as “Coplas” da revista.
           
Augusto Mesquita
Maio/2016





Sem comentários: