Uma
vez por mês Augusto Mesquita recorda-nos pessoas, monumentos, tradições usos e costumes de outros tempos
Há 75 anos, na Sociedade Pedrista
foi
representada a Revista Local “O Cascabulho”
A tradição do teatro de revista em Portugal
vem de meados do século XIX, pois
o primeiro espectáculo do género
sobe à cena no Teatro do Ginásio em 11 de Janeiro de 1851, sob o título
programático de “Lisboa em 1850” .
Com
a inauguração do Parque Mayer em 15 de Junho de 1922 o teatro de revista
muda-se para este espaço.
Com
uma história longa, o teatro de revista, desde o início, conquistou o estatuto
do mais popular género de espectáculo de Portugal.
Em
Maio de 1941, já passaram 75 anos, o Teatro de Revista chegou à Vila Notável. A
Direcção da Sociedade Pedrista composta por Júlio Armando Guerra Pereira
(presidente), Joaquim de Abreu Bastos (secretário), Salvador dos Santos
(tesoureiro), e pelos vogais Francisco Barros e João Luís Vidigal da Costa,
aproveitou a presença em Montemor-o-Novo do funcionário público José Sacadura
Bretes, que na Festa Comemorativa das Bodas de Ouro da Pedrista, surpreendera
os espectadores com o seu enorme talento artístico, e convidou-o para organizar
um espectáculo teatral. O convite foi aceite de bom grado, e José Bretes
escreveu para esse fim, a opereta em 1 acto “A lenda do Castelo” e a revista
local de flagrante actualidade, em 1 acto e 10 quadros, intitulada “O
Cascabulho”, em homenagem a Montemor-o-Novo, conhecida por “Vila
Cascabulheira”, pelo facto de existirem inúmeros pomares nas redondezas.
“A
lenda do Castelo” foi interpretada pelos seguintes amadores: D. Ivan Batista,
D. Antónia Maia, D. Isabel Pinelas, D. Berta Bonito, D. Ilda Vieira, José
Gastão Ferro, Albino Maia Sampaio, Salvador dos Santos e António dos Santos.
Aldeãs
e aldeões: D. Generosa Caldeira, D. Hermenegilda Caldeira, D. Ivone Caldeira,
D. Zilda Batista, Jaime Nogueira, Joaquim Marques, António Nogueira e António
Santos.
A
Revista “O Cascabulho” foi interpretada pelas seguintes actrizes: D. Antónia
Maia, D. Isabel Pinelas, D. Ivan Batista, D. Zilda Batista, D. Ilda Vieira e D.
Berta Bonito. José Sacadura Bretes, Feliciano Rabaça do Carmo, Albino Maia
Sampaio, José Gastão Ferro, Joaquim
Abreu Bastos, António Joaquim Nogueira, Jaime Borges Nogueira, Flávio Santos,
Salvador dos Santos, António dos Santos, Luís Tobias, Joaquim Marques e António
Salvado Simões, foram os actores.
José
Sacadura Bretes foi o “compére” Zé Maria (o carácter unitário da revista é dado
pelo compére, que assegurando a ligação entre vários quadros, integra
personagens simbólicas, figuras públicas, atracções musicais, as quais permitem
a exposição em palco).
Distribuição dos10 Quadros
A revista
iniciou-se com o prólogo intitulado
“Saudação a Montemor”, a que se seguiram os dez quadros: I – “Apanha da Azeitona”, “Pró-trabalho”, “Ao desafio”, “S. Leonardo” e “Hino a Montemor”.
II – “Viva o progresso”, “As
Fontainhas”, “O Poejo”, “O Gorgoleja”, “Aos jornais” e “A pesca”. III – “Foot-ball”.
IV – “Grande sólido”. V – “Bons amigos”. VI – “Fogo – Homenagem aos Bombeiros”. VII – “A los toros”. VIII –
“Pregões” – “A Pinhoada” e “Pregões de Lisboa”. IX – “A carta pró Manel”. X – “Arraial”
– “Evocação dos arraiais da província”. (Neste quadro foi prestada homenagem
aos nossos mortos da Guerra).
Lindos cenários apropriados (o da
foto confirma-o), e guarda-roupa dos ateliers Ferreira e Franco, Ldª.
Excelente música dos maestros – Armando
Fernandes e José Luciano Graça, e ainda, músicas populares adaptadas.
Montagens
eléctricas de Francisco Moreira da Silva. Ponto – Agostinho José Macau.
Ensaiador – José Sacadura Bretes. Orquestra sob a proficiente regência do
conceituado maestro José Luciano Graça, à qual prestam o seu apreciável
concurso as Exmas. Senhoras D. Isabel Joaquina Nunes, D. Maria Olímpia Vieira e
os Senhores António Salvador R. da Costa e Francisco Assis de Mira.
Carpinteiros de cena -Augusto Malato e Simão Macedo. Contra-regra – José Manuel
Carvalho Franco.
Apreciação ao espectáculo
Um
observador, que se escondeu através do anonimato, publicou nas páginas de “O
Montemorense” o seu comentário:
Cá
estamos a dar as nossas impressões sobre a récita levada a efeito pelo Grupo
Dramático do Círculo Montemorense, primeiro no elegante salão daquela
prestigiada colectividade recreativa, e no Rádio Cine (por duas vezes).
Os
espectáculos resultaram num enorme sucesso.
“A
Lenda do Castelo” é uma opereta leve, muito fina, absolutamente própria para
diversões desta natureza.
Agradou-nos
em absoluto José
Gastão ; nenhum artista faria melhor. Gostámos também muito de
ver Antónia Maia Sampaio; já aqui o dissemos, e mais uma vez nos ficou a
impressão de que é uma pena se esta rapariga não consegue a carreira do teatro,
para a qual tem extraordinária vocação: possui vontade, gesticulação consciente
e boa voz.
Merece
também referência o trabalho do seu irmão Albino, e igualmente nos impressionou
bem a presença de Berta Bonito.
Os
restantes intérpretes, mais ou menos, todos se houveram de forma a merecer os
aplausos que, no final, lhes foram tributados.
O
que, porém, conquistou absolutamente a assistência, em ambos os espectáculos,
foi a revista “O Cascabulho”.
Antes
de mais nada, as nossas felicitações vão para o autor. José Bretes mostrou, sem
dúvida nenhuma, as excepcionais faculdades para a arte de Talma: autor,
principal interprete, ensaiador, encenador, ele foi de facto a alma da peça.
Isto
não quer dizer, evidentemente, que os demais amadores o não tenham acompanhado
condignamente; pelo contrário, todos andaram muito bem.
Antónia
Maia voltou a evidenciar-se, principalmente pela vivacidade que pôs nas suas
“cantigas ao desafio”; também gostámos de a ouvir em “S. Leonardo”, e fez com
muita graça “O Montemorense”.
Isabel
Pinelas agradou-nos francamente mais aqui do que na opereta; muito bem conseguido,
o seu pregão na “varina”.
Ivan
Batista, que também tem jeito, é pena que não se entusiasme um pouco mais; tem
pouca vida, mas uma voz muito agradável; gostámos de a ouvir no “Poejo”.
Ilda
Vieira mostrou igualmente qualidades, mas pouco à vontade ao enfrentar o
público. Em “Fontainhas”, que no primeiro dia saiu regularmente, foi no segundo
dia menos feliz: Fez muito bem a “Folha do Sul”.
Berta
Bonito voltou a manifestar naturalidade e intuição; e Zilda Batista deu um bom
“Rapaz das Pinhoadas”.
Todas
formaram interessante conjunto, a que ainda mais três simpáticas “camponesas”
emprestaram apreciável concurso.
Quanto
ao elemento masculino, José Bretes foi um “compére” inexcedível, graça sem
exageros, facilidades no improviso, dicção perfeitíssima, quere-nos parecer que
os nossos mais consagrados artistas no género, alguma coisa teriam que aprender
com ele. As homenagens aos bombeiros e aos amadores tauromáquicos de Montemor,
foram ditas com perfeição insuperável.
Feliciano
Rabaça, Albino Sampaio, António Santos, António Joaquim Nogueira, Jaime
Nogueira, Joaquim Marques e o pequeno António Salvado Simões, todos se portaram
de forma a merecer elogios.
José
Gastão igualmente sobressai entre os rapazes; tem uma tirada logo no primeiro
quadro, enaltecendo as belezas da nossa terra, muito bem dito, e o “Velho das
Castanhas”, foi também feito com muita propriedade.
Boa
impressão nos deixou também Flávio dos Santos, no azougado “Joaquim”.
Joaquim
Bastos, muito bem no “Grogoleja”; bem observado e bem estudado, o tipo tão
popular do “Radical”. Também gostámos do seu “Cauteleiro”.
Luís
Tobias pareceu-nos pouco à vontade no “Toureiro Espanhol”, mas disse bem a
“Homenagem aos Mortos da Grande Guerra”.
Propositadamente,
guardámos para o fim das nossas referências, Salvador dos Santos; para ele
foram também, as honras da noite. Fez só dois números, mas, que bem disse
qualquer deles! O do “Foot-ball” sobressaiu talvez mais pelo entusiasmo com que
o executou, mas o “Prólogo” foi igualmente muito bem recitado. Foi muito e
justamente aplaudido.
De
resto, estes aplausos foram por igual para todo o grupo. O público mostrou,
assim, saber compreender o esforço que representa a organização de um
espectáculo desta natureza. É bom que estas iniciativas sejam acarinhadas
devidamente, a fim de que se repitam com mais frequência.
Encontra-se
a revista dividida em dez quadros, todos mais ou menos interessantes. No
entanto, os que mais nos agradaram foram os das músicas e dos bombeiros.
Digamos
também de elogiosa referência os cenários, a montagem, e os efeitos de luz,
tudo revelando especial cuidado e muita habilidade.
Agradou-nos
sobremaneira a orquestra, que nunca tão bem nos tinha impressionado. Muito
bonitas e bem executadas as peças de abertura dos actos, e, dum modo geral,
toda a execução foi perfeitíssima. Vê-se que anda ali mão de mestre.
Há
setenta e cinco anos, quando os subsídios existiam apenas nos dicionários,
montar este grandioso espectáculo não foi tarefa fácil. Prova disso, é o facto
de, não obstante Montemor-o-Novo ser uma terra que ama e vive o teatro, de
possuir filhos com enorme talento para a escrita cénica e também para a arte de
representar, esta, foi a única revista levada à cena na Vila Notável, feita com
a “prata da casa”.
Para
que a memória não se perca, felizmente, restam algumas fotos e as “Coplas” da
revista.
Augusto Mesquita
Maio/2016
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