DO CINEMATÓGRAFO
PARA A PÓLIS, por Henrique José Lopes
Metáforas de um jardineiro…(e logo nós que precisamos de um novo…)
Um dos filmes que mais me marcou nos
anos 70 foi “Being There” (1979) de Hal Ashby, que em Portugal teve o título de
“Bem-vindo Mr. Chance”. O protagonista era o fabuloso ator britânico Peter
Sellers (cuja interpretação foi nomeada para os Oscares e bem o merecia ter
ganho; tinha neste filme a companhia da não menos prodigiosa Shirley Mclaine
(quem é cinéfilo que se preze, e eu sou, não deixará de recordar a sua presença
em obras marcantes como “O Apartamento” de Billy Wilder” ou num dos mais belos
melodramas de todo o cinema, “Deus Sabe Quanto Amei” de Vincente Minnelli”,
onde só um empedernido do coração, não verte uma lágrima).
Mas vamos um pouco ao resumo da
história deste filme maravilhoso, quanto a mim e há muito que o sustento, o
vejo como uma esplêndida metáfora sobre a politica e as ideias.
Chance (Peter Sellers) é um modesto
jardineiro que passou praticamente toda a sua vida a trabalhar para um idoso economicamente
abastado. A sua experiência de vida é reduzida e limitada praticamente aos
portões dos jardins. A exceção são as noites, durante as quais passa longos
períodos em frente à televisão e, através dela conhece um pouco do mundo
exterior.
Entretanto dá-se o falecimento do seu
patrão (personagem que nunca vimos no filme), tal acontecimento leva o leal
jardineiro a abandonar a casa e fica à sua própria mercê, facto que se acentua
com a sua inexperiência de vida. Ele não sabe ler, nem escrever, não tem
bilhete de identidade e nunca andou num automóvel. Ao sair de casa e já durante
a noite, olha na rua uma televisão grande que o reflete a si próprio. Ao recuar
(olhando sempre para a televisão, o qual foi sempre o objeto de ligação com o
mundo exterior) é ligeiramente atropelado por um carro.
Devido a este incidente, Chance acabe
por conhecer Ben (Melvyn Douglas), um influente senador e a mulher deste, Eve
(Shirley MacLaine). O jardineiro é confundido com Gardiner (seu antigo patrão).
É entretanto levado pelo referido senador e pela sua mulher. Chance, agora
chamado Chauncey Gardiner, torna-se amigo e confidente de Ben. Toda a sua
retórica é baseada no jardim e em tudo que envolve esse contexto de trabalho.
A partir deste momento, as palavras
do simples jardineiro passam a ser tidas como sábias, verdadeiras metáforas
sobre o conhecimento e a essência das coisas do mundo. Deste modo, Chance vê-se
projetado para o meio de um círculo de importantes políticos, os quais estão em
busca de «novas ideias e abordagens».
De analfabeto passa a ser
supostamente (para quem o rodeia) um grande político. Vai a programas de
televisão, toda a gente importante o segue, ouve e vê com especial atenção.
Qualquer comentário seu é apreciado e tido como profundo. Neste sentido, tomemos
como exemplo dois pequenos fragmentos de diálogo de uma situação do filme
passada numa entrevista que Chance dá a um programa de televisão:
O entrevistador: Um país não precisa de ter um líder… que ultrapasse estes períodos de
crise? Um líder capaz de nos guiar nas estações más, assim como nas boas.
Chance: Sim. Precisamos de um jardineiro muito bom. E concordo com o
Presidente, o jardim precisa de muitos cuidados. É um bom jardim, As suas
árvores são saudáveis.
Num outro momento posterior…
O entrevistador: Calculo que talvez lhe seja difícil responder a esta pergunta, mas…acha
que temos nas suas palavras um jardineiro muito bom, a governar, neste momento.
Chance: Sim algumas plantas…dão-se bem ao sol…e outras crescem melhor à sombra.
O entrevistador: Parece que precisamos de muita jardinagem por aqui.
Chance: Certamente que precisamos.
Seguem-se uma série de acontecimentos
(nada como ver o filme por inteiro) e, de repente, Chance parece poder vir a
tornar-se Presidente dos Estados Unidos. Entretanto Chance sem ninguém dar por
isso…desaparece…direito a um lago…
Este brilhante filme merece sempre
uma revisão, lembrou-me que em Portugal também precisamos de um bom jardineiro,
para este jardim que dizem à “beira mar plantado”, mas tão mal tratado anda.
Como alguém dizia no filme: ”Precisamos de muita jardinagem aqui” e (digo eu)
por isso precisamos mudar urgentemente de jardineiro.
O nosso jardineiro (digo primeiro
ministro, ou Passos Coelho como quiserem) não tem um discurso metafórico, nem
inocente ou ingénuo como o de Chance, anda agora a querer dar-nos uns “mimos”
para acreditarmos que tudo isto não passou de um filme e vamos voltar à
realidade, fazendo de nós prisioneiros dos nossos jardins e assim, vermos o
mundo pelo ecrã que ele quer que nós vejamos.
A tarefa está a ser facilitada pelo
seu “padrinho” (digo Presidente da República, ou Cavaco Silva como quiserem)
que já deve ter comprado as alianças para o novo casamento politico entre
Passos e Portas e dar a sua bênção definitiva. De tão entusiasmado que anda com
o «casório», Cavaco Silva, ou melhor “O Padrinho” (não confundir com a
monumental e genial trilogia cinematográfica do Coppola) que parece não é nada
com ele (mas não é por acaso que está há décadas no poder) e até já fez sua “a
barragem do Alqueva”.
Quer que acreditemos que ele é um ingénuo como Chance…
Henrique Lopes – Agosto 2015
In Folha de Montemor - Transcrição autorizada pelo Autor
1 comentário:
Excelente comentário.
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