terça-feira, 25 de agosto de 2015

RUBRICA " CINE CLUBE DOMINGOS MARIA PEÇAS" - Agora a cargo de Henrique Lopes

DO CINEMATÓGRAFO PARA A PÓLIS, por Henrique José Lopes

Metáforas de um jardineiro…(e logo nós que precisamos de um novo…)
Um dos filmes que mais me marcou nos anos 70 foi “Being There” (1979) de Hal Ashby, que em Portugal teve o título de “Bem-vindo Mr. Chance”. O protagonista era o fabuloso ator britânico Peter Sellers (cuja interpretação foi nomeada para os Oscares e bem o merecia ter ganho; tinha neste filme a companhia da não menos prodigiosa Shirley Mclaine (quem é cinéfilo que se preze, e eu sou, não deixará de recordar a sua presença em obras marcantes como “O Apartamento” de Billy Wilder” ou num dos mais belos melodramas de todo o cinema, “Deus Sabe Quanto Amei” de Vincente Minnelli”, onde só um empedernido do coração, não verte uma lágrima). 

Mas vamos um pouco ao resumo da história deste filme maravilhoso, quanto a mim e há muito que o sustento, o vejo como uma esplêndida metáfora sobre a politica e as ideias.
Chance (Peter Sellers) é um modesto jardineiro que passou praticamente toda a sua vida a trabalhar para um idoso economicamente abastado. A sua experiência de vida é reduzida e limitada praticamente aos portões dos jardins. A exceção são as noites, durante as quais passa longos períodos em frente à televisão e, através dela conhece um pouco do mundo exterior.
Entretanto dá-se o falecimento do seu patrão (personagem que nunca vimos no filme), tal acontecimento leva o leal jardineiro a abandonar a casa e fica à sua própria mercê, facto que se acentua com a sua inexperiência de vida. Ele não sabe ler, nem escrever, não tem bilhete de identidade e nunca andou num automóvel. Ao sair de casa e já durante a noite, olha na rua uma televisão grande que o reflete a si próprio. Ao recuar (olhando sempre para a televisão, o qual foi sempre o objeto de ligação com o mundo exterior) é ligeiramente atropelado por um carro.
Devido a este incidente, Chance acabe por conhecer Ben (Melvyn Douglas), um influente senador e a mulher deste, Eve (Shirley MacLaine). O jardineiro é confundido com Gardiner (seu antigo patrão). É entretanto levado pelo referido senador e pela sua mulher. Chance, agora chamado Chauncey Gardiner, torna-se amigo e confidente de Ben. Toda a sua retórica é baseada no jardim e em tudo que envolve esse contexto de trabalho.
A partir deste momento, as palavras do simples jardineiro passam a ser tidas como sábias, verdadeiras metáforas sobre o conhecimento e a essência das coisas do mundo. Deste modo, Chance vê-se projetado para o meio de um círculo de importantes políticos, os quais estão em busca de «novas ideias e abordagens».
De analfabeto passa a ser supostamente (para quem o rodeia) um grande político. Vai a programas de televisão, toda a gente importante o segue, ouve e vê com especial atenção. Qualquer comentário seu é apreciado e tido como profundo. Neste sentido, tomemos como exemplo dois pequenos fragmentos de diálogo de uma situação do filme passada numa entrevista que Chance dá a um programa de televisão:
O entrevistador: Um país não precisa de ter um líder… que ultrapasse estes períodos de crise? Um líder capaz de nos guiar nas estações más, assim como nas boas.
Chance: Sim. Precisamos de um jardineiro muito bom. E concordo com o Presidente, o jardim precisa de muitos cuidados. É um bom jardim, As suas árvores são saudáveis.
Num outro momento posterior…
O entrevistador: Calculo que talvez lhe seja difícil responder a esta pergunta, mas…acha que temos nas suas palavras um jardineiro muito bom, a governar, neste momento.
Chance: Sim algumas plantas…dão-se bem ao sol…e outras crescem melhor à sombra.
O entrevistador: Parece que precisamos de muita jardinagem por aqui.
Chance: Certamente que precisamos.
Seguem-se uma série de acontecimentos (nada como ver o filme por inteiro) e, de repente, Chance parece poder vir a tornar-se Presidente dos Estados Unidos. Entretanto Chance sem ninguém dar por isso…desaparece…direito a um lago…
Este brilhante filme merece sempre uma revisão, lembrou-me que em Portugal também precisamos de um bom jardineiro, para este jardim que dizem à “beira mar plantado”, mas tão mal tratado anda. Como alguém dizia no filme: ”Precisamos de muita jardinagem aqui” e (digo eu) por isso precisamos mudar urgentemente de jardineiro.
O nosso jardineiro (digo primeiro ministro, ou Passos Coelho como quiserem) não tem um discurso metafórico, nem inocente ou ingénuo como o de Chance, anda agora a querer dar-nos uns “mimos” para acreditarmos que tudo isto não passou de um filme e vamos voltar à realidade, fazendo de nós prisioneiros dos nossos jardins e assim, vermos o mundo pelo ecrã que ele quer que nós vejamos.
A tarefa está a ser facilitada pelo seu “padrinho” (digo Presidente da República, ou Cavaco Silva como quiserem) que já deve ter comprado as alianças para o novo casamento politico entre Passos e Portas e dar a sua bênção definitiva. De tão entusiasmado que anda com o «casório», Cavaco Silva, ou melhor “O Padrinho” (não confundir com a monumental e genial trilogia cinematográfica do Coppola) que parece não é nada com ele (mas não é por acaso que está há décadas no poder) e até já fez sua “a barragem do Alqueva”.
Quer que acreditemos que ele é um ingénuo como Chance…
Henrique LopesAgosto 2015
In Folha de Montemor - Transcrição autorizada pelo Autor

1 comentário:

artemiso peças disse...

Excelente comentário.