Com o aproximar da Páscoa, a
vila tornava-se mais doce. Éramos frequentemente atraídos pelo cheiro que saía
das padarias, das pastelarias e mesmo das casas particulares. Nalgumas delas
confecionavam-se bolos e doces para venda ao público, independentemente da
época do ano.
Se recuarmos 50 0u 60 anos, o
alto da Rua Nova e a Travessa das Pedrozas constituíam, porventura, o lugar
mais açucarado de Montemor.
Lá bem no cimo, onde a rua se
alarga, situava-se a casa da Palmira Parreirinha, considerada uma das melhores
doceiras da terra. Muitos foram aqueles que não resistiram á sedução dos bolos
e doces de ovos feitos pelas mãos da D. Palmira. Mãos de fada!
Depois, bastava virar a
esquina e, numa das primeiras portas da Travessa das Pedrozas, habitava
Bernardino Romeiras, padeiro de profissão na antiga Padaria da Ceres.
Após uma suada noite de
amassadura, dormidas umas horas, o amigo Romeiras lançava-se, em casa, ao
fabrico de fuzis, suspiros, bolos brancos, enxovalhadas e outros bolos. Uma
vida de trabalho! A família era numerosa. Dizia-nos há dias, um dos filhos mais
novos que, apesar da abundância de guloseimas lá em casa, poucos eram os bolos
que lhe passavam pela estreita goela. O fabrico era para governo da vida.
Os bolos eram inicialmente
cozidos no forno de um fogão a lenha. Mais tarde, vieram o gás e uma ampla mesa
de mármore, que representaram uma considerável melhoria nas condições de
trabalho.
Foram várias as gerações de
montemorenses que se acostumaram a comprar bolos a Bernardino Romeiras. A hora
do lanche era muito concorrida. Nos escritórios, nas repartições, sempre que o
boleiro aparecia, era um festim. Nos últimos tempos, o fabricante e vendedor de
bolos recorreu à vida de cauteleiro. Os anos não perdoam! Os números da sorte
vieram substituir os fuzis cobertos de calda de açúcar, os suspiros e outras
gulodices. À mistura com o pregão da lotaria, vinha de lá um toque de corneta e
uma quadra de sabor popular.
Mas, continuemos a nossa rota
recheada de açúcar, farinha, manteiga, ovos, canela e mais uns quantos
ingredientes que estão na base de muitos bolos e bolinhos que fizeram (ainda
fazem) as nossas delícias. Bolos para todos os gostos. Uns mais frágeis,
estaladiços; outros mais consistentes ou mesmo secos, bons para molhar no chá
ou no café. Quase todos a saber a infância!
Também na Travessa das
Pedrozas, em frente à casa de Bernardino Romeiras, morava o conhecido
pasteleiro Luís Mira de Oliveira. À distância de um bom par de anos, ainda
conseguimos visualizá-lo com o seu avental branco ou, rua fora, com o cesto de
verga, distribuindo os seus maravilhosos bolos. Ah! Aquelas mil folhas!
Embora os dois fabricantes
vivessem a escassos metros um do outro, os negócios não conflituavam. Luís de
Oliveira dedicava-se mais à pastelaria fina: pasteis de nata, palmiers, bolos
de arroz, assim como trouxas de ovos, sericaias, etc… Era ele que abastecia boa
parte dos cafés e pastelarias da vila que não tinham fabrico próprio. Era o
caso do Bar Alentejano, de alguns cafés que já existiam na Avenida, entre
outros.
Não muito longe da sua casa,
ligeiramente mais acima, abriu portas a Pastelaria Agil, propriedade de António
Joaquim Alvarez de Gião, popularmente conhecido por Gião da Farmácia. Como se
pode supor, o estabelecimento era abastecido pelo vizinho Luís de Oliveira. Recordou-nos a Biu, que ali
trabalhou, que a clientela mais assídua era constituída por funcionários públicos
e também por bancários que trabalhavam no BESCL, mesmo ali em frente. Ao fim de
poucos anos a pequena loja virou drogaria.
Mas voltemos à actividade do
nosso pasteleiro Luís. Da interessante conversa que tivemos com a sua filha
Adalgisia de Oliveira Batista, ficámos a saber que uma das grandes
especialidades da casa eram os bolos de amêndoa, com as mais diversas formas e
cores: azeitoneiras, pães, linguiças e outros motivos regionais. O Café Arcada,
em Évora, era um dos grandes clientes deste tipo de doçaria. Aliás, terá sido
na capital alentejana, com um tal sr. Gomes, que Luís de Oliveira aprendeu boa
parte do seu métier.
A fabricação de bolos, para além
de ser uma arte, implica esforço e uma valente dose de paciência, enquanto se
preparam, enquanto cozem, enquanto se enfeitam, enquanto solidificam.
À falta de um grande forno lá
em casa, a cozedura de bolos tinha lugar na padaria das irmãs Narcisas, cujo
balcão dava para a Rua das Pedras Negras. Lembranças que ficam.
É curioso verificar como uma
conversa à volta de bolos, pode evocar tantas e tão longínquas recordações.
O nosso roteiro dos lugares
açucarados derivou, entretanto para uma das mais populares Ruas de Montemor:
Demos um salto até à Ruinha, à casa onde viveu Francisco José Mareco.
Quem olha para as baixas e
estreitas fachadas não imagina a fundura das habitações, a que se juntam ainda
espaçosos quintais. Fomos recebidos por Antónia Mareco, que nos falou do pai
com um misto de orgulho e de ternura. “Era tão bom o meu pai!”. O Chico Mareco,
como era geralmente tratado, trabalhou como padeiro na Rua do Poço do Passo e,
mais tarde, no Hospital Infantil de S. João de Deus. Pelo meio, meteram-se uns
negócios de venda ambulante de louça.
A nossa anfitriã recordou o
tempo em que, ainda menina, se queimava inadvertidamente na pá do forno, e o
pai a mandava por, de imediato, as mãos no sal.
Os bolos, preparados em casa
e cozidos no forno do vizinho Crisanto, eram vendidos no mercado local ou,
muito frequentemente, no mercado de Évora. Manhã cedinho, era vê-lo a caminho
do mercado com duas grandes cestas de bolos. A partida era às sete. Às dez, já
não havia nada para vender. Num abrir e fechar de olhos, o Chico Mareco
despachava queques, bolos de côco, bolos de manteiga, tudo o que houvesse. E
sempre com os seus gracejos. Onde ele parava, era uma festa!
O amigo Mareco tinha, acima
de tudo, alma de artista. Era um gigante em palco. Ficaram na memória dos montemorenses
muitas das suas interpretações, nomeadamente os divertidos monólogos que
maravilharam o público da Carlista e de outras salas de espectáculos.
Antónia Mareco guardou, até à
pouco tempo, o “fatinho de marujo” que o pai costumava envergar no divertidíssimo
Exame do meu Menino.
Bem! Está na hora de
fecharmos o pano. Apetecia-nos ainda continuar este manjar de recordações.
Gostávamos , por exemplo, de revisitar as broas das irmãs Talhadas, os
inconfundíveis suspiros do Reinata, a recheadíssima Pastelaria de Francisco
Barros ou, mais recentemente, o pão de rala e as lampreias de ovos da D.
Amélia. Ficará para uma próxima oportunidade.
Uma doce Páscoa e até breve,
Vitor Guita
Março -2015
Transcrição devidamente autorizada pelo Autor da
publicação in Folha de Montemor
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