segunda-feira, 29 de setembro de 2014

VASCULHAR O PASSADO - Uma rubrica mensal do Augusto Mesquita

Montemor-o-Novo, sempre foi uma terra de aficionados. O largo actualmente designado do Dr. Miguel Bombarda, chamou-se durante séculos “Terreiro do Corro”. Assim aparece já denominado nos séculos XV e XVI. No século XVII, é quase sempre chamado, “Corro dos Touros”, perdendo nos séculos seguintes esta última designação.
            Sabe-se, que nele se realizaram, pelo menos do século XV até ao XVIII, as corridas de touros, promovidas pela Câmara Municipal. Segundo parece, os touros usados nas corridas eram guardados num touril, que ficava por baixo da casa das varandas, que a Câmara possuía no largo. Desta casa, assistiam as autoridades aos espectáculos tauromáquicos. O corro era cercado com tapumes de madeira e as ruas que lhe davam acesso obstruídas com carroças. No final das touradas, um dos animais, era abatido e repartido pelos pobres.
            A mais antiga referência à realização de corridas de touros é do reinado de D. Duarte I, e terão sido realizadas em Évora nos anos de 1431 e 1432.
            Em 1836, no reinado de D. Maria II, passou a ser proibida a morte dos touros na praça, que era praticada pelos cavaleiros, com a utilização dos rojões, como ainda hoje se pratica em Espanha. Assim, para remate da lide, os touros passaram a ser pegados.
            A existência dos forcados como os conhecemos nos dias de hoje, remonta ao século XIX. Descendem directamente dos antigos “Monteiros da Choca”, grupo de moços que, com os seus bastões terminados em forquilha ou forcado, defendiam na arena o acesso do touro ao camarote real. Com o decreto de D. Maria II, passaram a ser eles a pegar o toiro, evoluindo o nome de “Monteiros da Choca”, para “Moços de Forcado”, ou simplesmente “Forcados”.
            Actualmente, o forcado farda-se com jaqueta de ramagens, cujo padrão distingue o grupo, cinta vermelha, camisa branca imaculada e atilhos vermelhos nos punhos, gravata vermelha ou preta (em caso de luto), barrete verde cor da folhagem, gola vermelha garrida, calção justinho da cor do trigo, com botões prateados, meia branca de renda, tal como o campino, sapato de prateleira com atacador amarelo, e suspensórios.
            Nos grupos de forcados não se perderam completamente algumas das características militarizadas dos anteriores “Monteiros da Choca”.     Assim, o Chefe do Grupo continua a ter a denominação de “Cabo”, ao traje continua a chamar-se “farda”, e a antiguidade dos forcados continua a ser respeitada. Nas cortesias os forcados dão a direita ao Cabo, formam por antiguidade, e o último elemento à esquerda é o forcado mais novo.
            Quando se executa uma pega, oito homens entram na arena, o primeiro é o forcado da cara; os outros sete ajudam-no a imobilizar o touro, havendo um (o rabejador) que segura no rabo do touro, para provocar o seu desequilíbrio, e para quando os seus companheiros o largarem, este não invista sobre eles.
            Existem vários tipos de pegas, as mais conhecidas e utilizadas nos nossos dias, são a “pega de caras” e a “pega de cernelha”.

A História do Grupo

             Foi na velhinha Praça de Touros do Rossio, numa corrida de touros realizada em 4 de Setembro de 1939, a favor do Asilo Montemorense de Infância Desvalida, que actuou pela primeira vez o Grupo de Forcados Amadores de Montemor-o-Novo, organizado e capitaneado por Simão Luís Reis Malta, seu fundador, e um dos maiores e mais autorizados Mestres da Tauromaquia no País. Tinha como elementos, além do referido cabo, os Senhores Dr. João Manuel Malta, Dr. Feliciano Alface dos Reis, José Antas, Ernesto Carneiro, Francisco Fernandes de Castro, Cipriano Palhinha e Joaquim Nunes Capela.
            O Grupo manteve-se em actividade durante dez anos, tendo realizado a última corrida em Vila Viçosa no dia 12 de Abril de 1949. Nestes dez anos, pegaram em 88 espectáculos, dos quais 70 foram de beneficência.
            Nesse tempo, o Grupo orgulhava-se de nunca apresentar quaisquer despesas nas corridas de beneficência. Na sua terra, o Grupo participou em várias corridas, cujas receitas reverteram para o Hospital de Santo André, Asilo de Infância Desvalida, Asilo de Mendicidade, Sopa dos Pobres, Lar dos Pequeninos, Sociedade Pedrista, Sociedade Carlista, Grupo União Sport e Hospital Infantil de S. João de Deus. A distinção e o bem-fazer eram preocupação geral dos elementos desse primeiro Grupo de Forcados.
            Em 1949 o Grupo suspendeu a actividade, e só a retomou quatro anos depois.
            Foi, todavia, neste intervalo que Chinita de Mira tentou ainda organizar um novo grupo sem o conseguir. A sua iniciativa e os seus esforços serviram, no entanto, de preparação e base para que nascesse, depois o actual Grupo chefiado por António Vacas de Carvalho.
            Foi numa corrida efectuada em 11 de Abril de 1955, Domingo de Páscoa, a favor do Hospital Infantil de S. João de Deus, que se estreou verdadeiramente, o actual Grupo de Forcados Amadores de Montemor-o-Novo.
            A partir de 1957 é que este Grupo se começou a notabilizar mais, tendo-se revelado nele extraordinários valores.
            Se o primitivo Grupo foi solidário, o que dizer dos seguidores, que além de participarem em inúmeras corridas de beneficência, nos anos em que venceram a “Barra de Ouro, com 1 kg de peso, presenteadas pelo benemérito João Lopes Fernandes, ofereceram-nas ao Hospital Infantil de S. João de Deus?
            Em 1989 o Grupo comemorou as “Bodas de Ouro”. Do vasto programa, realce para a realização no dia 3 de Setembro, da “1.ª Grande Corrida de Gala à Antiga Portuguesa, com desfile evocativo do séc. XVII”.
            Os cavaleiros, David Ribeiro Teles, Luís Miguel da Veiga, Paulo Caetano, Joaquim Bastinhas, Frederico Carolino, João Salgueiro e os Forcados Amadores de Montemor-o-Novo (antigos e actuais), chefiados respectivamente pelo fundador do Grupo Simão Malta e pelo actual cabo Paulo Vacas de Carvalho, lideraram 6 toiros da ganadaria de Simão Malta.
           
Cabos

             “Simão Malta”, o primeiro cabo do grupo, deixou o comando no final da temporada de 1945, tendo passado o testemunho a “Manuel de Sousa Nunes” que, de 16 de Junho de 1946 até ao final de 1948 permaneceu à frente do Grupo.
            Em 1949 e 1950 “Simão Malta” voltou de novo a dirigir o grupo, ele, que, mesmo no tempo de Sousa Nunes, continuou sempre a pegar.
            Seguiu-se um interregno de quatro temporadas – 1951, 1952, 1953 e 1954 em que apenas actuou numa corrida em 1952 numa tentativa de continuação do Grupo. Mas, só em 1955 em 10 de Abril, de novo em Montemor-o-Novo, o Grupo reapareceu sob o comando de “Américo Chinita de Mira” que foi seu cabo nessa temporada, tendo abandonado o Grupo e a sua chefia, em 3 de Setembro de 1956 na mesma praça.
            Na corrida seguinte, em 7 de Outubro desse ano, na Praça de Évora, assumiu o Grupo “Joaquim José Capoulas”. A sua liderança manteve-se por mais de 14 anos, até ao final de 1970.
            Em 4 de Abril de 1971, na Praça de Touros de Beja, “António José Zuzarte” foi o novo cabo, dirigindo os destinos do Grupo até ao dia 2 de Setembro de 1979. Na Praça de Montemor-o-Novo, e depois de pegar um toiro de cernelha com Simão Comenda, despiu a jaqueta e entregou-a a “João Eduardo Cortes”, que comandou o Grupo pela primeira vez, na Praça de Toiros de Estremoz, a terra que o viu nascer.
            Manteve-se João Cortes no comando do Grupo até 2 de Setembro de 1984, onde na castiça arena de Montemor, passou, por sua vez, a jaqueta ao novo cabo “Paulo Vacas de Carvalho”.
            Em 7 de Setembro de 1997, na arena dourada de Montemor-o-Novo, Paulo Vacas de Carvalho, passou a chefia do Grupo a “Rodrigo Corrêa de Sá”.
            Uma década depois, igualmente na Praça do Rossio, Rodrigo Corrêa de Sá passou o testemunho a “José Maria Cortes” em Setembro de 2007. Este genial forcado, considerado por muitos o melhor de todos, infelizmente não conseguiu passar o comando do Grupo a António Vacas de Carvalho, pois a 27 de Junho de 2013 o Zé Maria perde a vida de forma trágica. Mão criminosa esfaqueou-o no coração
            No dia 1 de Setembro de 2013, “António Vacas de Carvalho”, filho, sobrinho e primo de antigos forcados, veste de forma emotiva a jaqueta de Cabo entregue por João Cortes, pai do malogrado Zé Maria. Nesse mesmo dia, foi descerrada na Praça de Touros de Montemor-o-Novo uma lápide de homenagem a José Maria Cortes.
            A nomeação de novo cabo, não tem a ver com a antiguidade, mas sim, com o reconhecimento do Grupo, pelas qualidades de um dos seus elementos, tomada pela maioria dos forcados. O cabo, deverá ser o garante dos valores e tradições do forcado amador, dentro e fora da praça, o responsável por todas as atitudes e comportamento do seu Grupo.
            A continuidade do Grupo de Montemor está assegurada. Todos os anos dezenas de jovens procuram experimentar a aventura de pegar um toiro. Surgem nos treinos cheios de vontade de mostrar a sua valentia, têm um sonho – ser forcado.
            É nos treinos e nas ferras que se começa a conhecer o potencial do futuro forcado. A destreza, garra e o jeito, surgem em bruto, prontos para serem moldados pega após pega. Aconselhar e corrigir, é o papel do Cabo.
            A sua “Escola de Forcados”, é composta por um grupo juvenil, um grupo infantil, e um benjamim, que têm como objectivo fomentar a amizade, conquistar aficcionados, e fazer forcados para o grupo sénior, que hoje em dia é composto por 35 elementos.
            Nestes 75 anos de existência, passaram pelo Grupo de Montemor, 376 forcados. Dos actuais, o mais antigo, é o Frederico Caldeira (326), e o mais recente é o Vasco Carolino (376).
            Tendo como Madrinha Nossa Senhora da Visitação, padroeira de Montemor-o-Novo, estes dez cabos tiveram sempre sob a sua chefia, jovens valorosos que com arte, valentia, espírito de entreajuda, sacrifícios sem limite e uma sã amizade, contribuíram para dar continuidade ao Grupo, e colocá-lo na primeira fila dos Forcados Portugueses. Fazer referência a alguns “monstros sagrados” da forcadagem montemorense, seria deselegante da minha parte.
            Arriscando a vida, sofrendo algumas colhidas bastante graves, que deixaram marcas, mas que tornam o espírito único, e que fazem com que exista um nunca mais acabar, de parentescos a envergarem a jaqueta do Grupo. Mesmo sem os laços de sangue, a amizade profunda que fica entre aqueles, que algum dia fizeram parte desta comunidade de bravos, estará presente para sempre.
            Quem não recorda momentos grandes passados nas arenas de Portugal, Espanha, França, Macau, México, Estados Unidos da América, Canadá, Indonésia, Grécia, por esse mundo fora onde a jaqueta das ramagens de Montemor foi sempre dignificada com honra e glória, quer em actuações do Grupo ou dos seus elementos, integrados em selecções de forcados, em que Simão Comenda, teve a honra de ser escolhido para desempenhar o cargo de Cabo.
            “Alguns já partiram, mas entre nós eles estão sempre presentes, pelos seus feitos na arena, pelas vivências fora dela, pela imensa saudade dos grandes momentos que vivemos em comunhão. As estradas, o mar, a guerra, e recentemente, a mão criminosa, levaram alguns dos mais jovens, a doença levou outros. Felizmente, nenhum morreu na arena”. Com esta linda prosa, termina o site do Grupo de Forcados de Montemor.
            Protegidos apenas pela cinta vermelha de cinco metros, que lhes protege as costelas e o externo, os forcados são sem dúvida alguma, a figura incontornável da tauromaquia nacional, e aquela que dá maior emoção à festa.
            Termino com um convite: convido o estimado leitor a deslocar-se ao Convento de S. Domingos, e visitar a “Sala da Tauromaquia”, onde se encontra entre outros, o valioso espólio do Grupo de Forcados Amadores de Montemor, um dos maiores cartazes do nome de Montemor-o-Novo.

Augusto MesquitaSetembro 2014


Publicado na “Folha de Montemor”- edição Setembro e transcrito com autorização do Autor

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